quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Momentos de escapar...

Há momentos em nossas vidas em que o melhor caminho a tomar é... parar!

Somos seres inteligentes, porém sensíveis demais para passar por certos momentos de forma isenta e indiferente. O coração às vezes pulsa egoísticamente e brada de sua solitária mansão: - É hora de parar! Nossa vida é composta por uma infinitude de atos que, somados, dizem muito do que nós somos; inconscientemente acabamos por sedimentar em nós uma personalidade feia e abominável, sem nos tocarmos acabamos por nos tornar monstros devoradores de nós mesmos. Nessas horas deve-se ordenar que cesse o cérebro de trabalhar para permitir que nossos valores, outrora esquecidos, expurguem de nosssa consciência tudo o que fora construído errado. Um pequeno momento de reflexão, em que devemos trucidar nossos erros que, a despeito de sua força, podem ser facilmente retirados de nossas vidas.

Não compactuo com a totalidade da filosofia oriental, nem mesmo tenho leitura suficiente para isso, mas certos conceitos são mais que aplicáveis ao homem moderno e ultrapassam, em grande escala, os ditames religiosos e filosóficos ocidentais. Um desses brilhos filosóficos é a idéia budista de Nobre Caminho, que é composto por oito etapas, a saber: Percepção Correta, Pensamento Correto, Fala Correta, Comportamento Correto, Meio de Vida Correto, Esforço Correto, Atenção Correta e Concentração Correta. Os budistas buscam com esse método a extinção dos desejos em sua alma, porém sou menos ambicioso e vejo-o como uma forma eficaz de trazer o homem a si mesmo, diminuindo sua probabilidade de errar. Sem apelar para o medo, nem para noções de castigo ou pecado, essa filosofia consegue dar ao homem uma ferramenta útil de vida e é essa ferramenta que deve ser usada quando é chega a hora de parar.

Reformular-se é um desafio, mas que pode ser concretizado; escolhido o método, o mais difícil vai ser desatar as amarras de nossas paixões e convicções. Mas nada é tão impagável quanto a paz interior, nada mereçe tanto esforço por parte de nós. Estar bem consigo mesmo e com os outros é o incício para uma vida virtuosa e frutífera. Parar e repensar nossas atitudes é árduo, pois vai nos revelando nosso lado mais feio e sombrio, porém é um exercício que tende a eliminar esse lado menos querido de nós mesmos.

-------------------------------------------------------------------------------------------------

Se ler é renovar-se, se ler é reformular seu prórprio mundo, então a leitura não pode estar coberta pelo véu negro do preconceito. Nesse pensamento que indico uma obra lida por mim há muito tempo, mas que ainda é um guia espiritual de grande serventia. Muito mais que um manual para uma vida feliz, esse livro nos traz um caminho para lidar com os mais diversos embates existenciais que as religiões tanto teimam em acentuar. Não importa sua denominação religiosa, a Doutrina de Buda é muito menos uma obra de pregação que uma compilação de conselhos para uma existência harmoniosa.



terça-feira, 28 de outubro de 2008

Lendo Dostoiévski

Apesar do atropelo de tarefas que o curso de Direito me impõe ainda acho tempo para meus exercícios literários.

Primeiro, é interessante esclarecer que uma grande obra da literatura universal não deve ser apenas lida e interpretada, mas sim digerida, deve entrar em simbiose com a alma do leitor. Platão nos diz que o pleno conhecimento de alguma coisa pressupõe uma ascese erótica, um apego, mesmo que momentâneo, com o objeto do conhecer e é assim que se sucede com a literatura. Quando lemos uma obra desse porte, devemos desconstruir todos os nossos preconceitos e nos desfazer do peso de nossa cultura (e não me venham falar de Gadamer!), para assim achar o caminho ao nirvana intelectual que nos deixa livres para contemplar a magnitude dos grandes mestres. Que os juízos de valor venham depois da contemplação, pois eles só servem para alimentar-mos nosso necessário maniqueísmo intelectual. O contemplar é a essência de toda e qualquer arte, o resto é acessório.



Estou lendo Dostoiévski, mais precisamente a "Recordação da Casa dos Mortos". Leitura difícil, não por sua linguagem, pois o escritor russo é um dos homens mais claros e precisos desse ramo, mas pelo peso humano que traz entranhada em suas páginas. Tudo nessa obra cheira ao ser-humano e, como não deveria ser diferente, cheira mal. O presídio desenhado por Dostoiévski é um corte na realidade de nós mesmos, é um espelho sem os adornos que expõe a miséria de ser humano. Nossos sentimentos mais sórdidos e nossas ambições mais recônditas são corporificados naqueles presos, que são a exposição de nossas verdadeiras feições, sem a maquilagem do urbanismo e da civilidade.

Ainda estou nas primeiras páginas da "Casa dos Mortos" e não me faltam motivos para me surpreender. A carga de realidade é tão grande que dá para ouvir o soluçar dos presos após uma seção de açoitamento, que dá para sentir a podridão das casernas, que dá para ver nos olhos de cada um a maldade, a falsidade e a frieza. Talvez seu tom autobiográfico tenha lhe dado mais brilho, pois nem em "Crime e Castigo", sua obra mais badalada, conseguimos sentir o estio de verossimilhança carregado nessas "Recordações".

A experiência da leitura de Dostoiévski é única e irrepetível, o que posso fazer é traçar impressões tímidas e inexatas. Não nego a beleza de romancistas como Flaubert, Eça de Queirós e, trazendo pra nossa terrinha, Machado de Assis, mas é que apenas em Dostoiévski (e talvez em Kafka) consegui ver com transparência os caminhos mais desconexos de nosso espírito, os liames tênues entre a civilidade e a barbárie e a afirmação da tese de Schopenhauer de que a vontade humana, guiada por seus desejos mais primitivos, é guia de nossa existência.


Obra mais que recomendada.

sábado, 25 de outubro de 2008

Primeiras impressões

COTA ZERO
"STOP.
A vida parou
ou foi o automóvel?"


Carlos Drummond de Andrade


A contemporaneidade tem lá seus caprichos. Vivemos numa época que expurga a solidão, que torna o estar-só uma espécie de doença, tão mortal quanto fora a peste bubônica na idade média e a Gripe Espanhola há poucos anos atrás. Basta ver o sem-número de livros de auto-ajuda que buscam uma cura para o mal da solidão. A cultura ocidental, cada vez mais, vai acentuando essa integração entre as pessoas, retirando de suas pautas momentos de reflexão e de auto-conhecimento. Não há tempo para pensar em si mesmo, no sentido mais profundo da expressão, pois estamos confinados num ambiente semelhante ao contado por Dostoiévski em sua obra "Recordações da Casa dos Mortos", no qual o pior martírio aos presos era não dispor de um momento de isolamento.


É seguindo tal pensamento que darei início a esse blog. Mesmo fazendo parte desse frenético mundo, consigo encontrar pequenas centelhas de tempo para uma reflexão sobre mim mesmo e sobre o mundo e é nesse singelo espaço que tentarei compartilhar com meus esparsos leitores minhas vivências, indagações e conclusões. Se não podemos estar sós, por que não compartilhar esses ínfimos e magistrais momentos com o mundo? A solidão é um bem escasso e caro, nas palavras de Drummond:


"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade"


Dessa forma, a sós, mas com todo o mundo a me observar, tentarei não apenas exercitar minha capacidade reflexiva, mas também minha escrita, pois segundo o Mestre Lourival Holanda a arte de escrever está no amadurecimento e no afinco do escritor. Que comecemos então essa labuta!