sábado, 5 de novembro de 2011

De volta...

Tenho que admitir: as palavras são minha perdição.

Por mais que eu tente fugir de seu encanto destruidor, não há ugar nesse mundo para se esconder desse poder que arrasa.

Por isso volto a escrever.
Para exasperar de minha alma os sentimentos mais desconexos que dão sentido à minha vida e que se acumulam no meu espírito de forma perigosa.

Deixai que as palavras trilhem meu caminho.

sábado, 29 de novembro de 2008

Ah! Enfim, o amor...

"O amor é uma agonia, vem de noite, vai de dia, é uma alegria e de repente uma vontade de chorar"


Chega de divagações, vamos a um pequeno exercício literário.

Canção febril


“No amor basta uma noite para fazer do homem um deus.”

- Propércio.


Cesso por um instante meus afazeres para dedicar-me um pouco a ti, mulher tão complexa e inexplicável que até aos deuses faz-se irresoluta, que corrói minha mente com seus mistérios e enigmas indecifráveis; mulher cuja qual os poetas entoam os cantos e a filosofia denota preocupação, és o maior enigma do mundo mulher!, és o rebento da união de todas as divagações humanas com os suspiros de sua dor, és tão carnal e tão pura que se tornas luz.

Qual Da Vinci não inveja os contornos de teu sorriso a gritar de despeito que suas obras trazem mais mistério? Passeias pela História amedrontando os homens que menos temem a morte que o teu olhar. Inspiras literatos, loucos, profetas, mágicos, vilões e não és mais que sombra, delgada e furtiva. Pensas que me enganas com teu dissimulado amor? Não!, sou fugitivo de mim mesmo e tento te esquecer pois és uma esfinge que tem para mim voltada a face no intuito de devorar-me a alma. Mas teus beijos... Ah! Que me esqueça de todos! E na impossibilidade do esquecimento que me tirem a vida por misericórdia, caso seja insuficiente, que me vendam o espírito, joguem sal à minha terra, esquartejem meu corpo e espalhem suas partes onde teus pés pisarem, assim poderei me ver livre de ti.

Quantos Césares não choraram a desgraça que a eles acometeste? Sou mais um, encantado por teus olhos egípcios, por tua boca silenciosa e ardente, por teus gestos leves e lânguidos, pelas noites de volúpias ingratas despejados no mar de meus brados incompreensíveis. Sou mais um, ludibriado pela lua lépida que mascaraste no teu céu de impossibilidades cujo qual tomei por real. Nunca saberei se fostes minha, pois nunca nem eu a mim mesmo pertenci.

Mas e o sangue derramado por ti? As lágrimas vertidas dor? Os suores nos falsos leitos de prazer? Quem trará a paz em peito repleto de tormentos, quem pagará a conta dos danos que me cobra a vida? Não te encontro mais. A alcova vazia, os vestidos jogados ao chão, teu perfume ainda impregnado em minha roupa – tudo é enlouquecedor. Assim a intolerância do tempo torna-se cada vez mais torturante, os segundos marcados de desalento choram tua ausência e meu peito febril urge por sossego.

Já ouço o fero canto do inferno com prazer, este que desvanecida não relutas em soprar, enxertando em minhas entranhas o rubro logro de teu quimérico amor. Mas não te quero! És hoje devaneio e outrora não fostes mais real. No entanto, espero o assomo de teu corpo qual Lázaro para que eu possa voltar de meu senil degredo, onde de tão terrível a morte corre atordoada. Espero, com o ardor de um assassino, com o desejo vibrante de uma virgem, assim espero teu regresso. Não sei se para velar teus seios ou decepá-los; nem sei se para colher teu suor ou teu sangue.

Tu, que por amar a arte tão loucamente deixava-me enciumado; a aura febril que vinha encobrir nossas noites veladas por prazer era de cores tons e combinações que artista algum foi capaz de reproduzir. Teus suspiros sinfônicos, repletos de uma harmonia divina, eram deliciosos. Ah! O que tem o sexo e a arte para assim ludibriarem a alma do homem? Há uma fuga do real qual o nirvana, somos tragados do mundo e jogados a uma nova dimensão totalmente dispersa e mística. E tu, que por tantas luas ao meu lado dormiste, eras a ninfa inspiradora desses dois grandes dons presenteados à humanidade.

A fábrica começa a buzinar, esvai-se tua imagem em meus pensamentos, fecho o livro, o afã é meu destino, tu és minha graça e meu sofrimento. Enquanto não vens, caminho só.


Paulo Fernando de Lima Oliveira

domingo, 23 de novembro de 2008

A visão retórica do mundo e o direito



“A linguagem é retórica porque deseja comunicar somente uma doxa (opinião), não uma episteme (conhecimento) [...] Não há uma natureza não-retórica da linguagem à qual se poderia recorrer: a linguagem mesma é resultado das mais puras artes da retórica[1]“.

Pegando carona com a antropologia, uma interessante dicotomia salta aos nossos olhos quando começamos a estudar a natureza retórica do mundo, dicotomia essa que deve sua importância nesse estudo pelo fato de trazer duas posições eminentemente paradigmáticas e irreconciliáveis. De um lado a consideração do homem como ser carente, do outro como ser pleno[2].

Seria o ser-humano carente pelo fato de não ser biologicamente fixado a nenhum ambiente determinado, não possuindo um aparato de autopreservação comum a outras espécies de animais. Olhando essa mesma perspectiva com outro ponto de vista, poderíamos ligar essa falta de fixação a certos ambientes ao sucesso da adaptação humana e ressaltar-lhe a criatividade e o enorme domínio sobre a natureza.

Podemos também ver essa dicotomia do ponto de vista da relação do homem com o seu meio. O homem seria pleno, pois teria os critérios e o aparelho cognoscitivo aptos a alcançar a realidade exterior e modificá-la, aproximando-se, com a linguagem, de uma verdade pré-existente e ansiosa em ser descoberta. Do outro lado, o próprio uso da linguagem como meio imprescindível para a concretização dos feitos humanos e para sua coordenação mais precisa, tornaria o ser carente, incapaz de perceber qualquer aspecto exterior sem esbarrar nos limites do raciocínio e dos próprios órgãos sensitivos, sendo o homem refém de uma realidade artificial – a da linguagem.

Considerar a linguagem como um plus ou como um minus da existência humana[3] serve como divisor de águas de duas grandes correntes que vem dividindo a filosofia em dois grandes campos desde Górgias e Platão a David Hume e Nicolai Hartmann. Se para Aristóteles a linguagem era um órganon em que as coisas comandam as palavras, para os sofistas, como Górgias, a linguagem era um fármacon em que a palavra constrói a coisa e o ser seria apenas um efeito do dizer[4].

Após a revolução do "Linguistic Turn" na filosofia, entendo ser mais coerente defender a idéia do homem como um ser carente, e que tem na linguagem a única “realidade” com que pode lidar[5], numa visão mais heurística do mundo, que despreza a fixação de verdades universalmente válidas; em contraposição à holística, que propõe uma objetivação dos fenômenos[6]. Se, por conta da linguagem, Górgias afirma que tudo é incognoscível, intrasmissível e incompreensível, deve-se entender seu tom enfático (e até radical) como um alarme para que voltemos as atenções ao caráter ambíguo, seletivo, complexo e metafórico da comunicação, o que acaba quebrando com a já tradicional concepção de que existiria uma essência escondida na linguagem e, consequentemente, os signos lingüísticos corresponderiam a objetos reais.

Kant afirmou o que Platão esboçara milênios atrás: o homem é limitado pelos seus sentidos e, sendo estes altamente imperfeitos e fáceis de serem ludibriados, nunca poderá alcançar a suposta realidade exterior aos ornamentos do raciocínio e da linguagem. A incompatibilidade entre “evento real”, “idéia” e “expressão lingüística ou simbólica”[7], torna todo conhecimento impossível de ser expresso de forma precisa e geral. A redução fenomenológica transcendental proposta por Husserl, por exemplo, nunca pode ser concretizada quando se trabalha com linguagem, haja vista o seu caráter convencional[8].

“O signo lingüístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica [...] O laço que une o significante ao significado é arbitrário [...] Assim, a idéia de ‘mar’ não está ligada por relação alguma interior à seqüência m-a-r[9]”.

É com essa visão de linguagem endossada por Ferdinand de Saussure, aliada à idéia da carência do homem, antropologicamente falando, que acatamos o olhar retórico do mundo em contraposição ao olhar ontológico. A relação do homem com o meio ambiente e com outros seres é totalmente intermediada pela linguagem, o que nos força a criar a realidade dentro do espaço lingüístico e nele construir os alicerces teóricos das ciências, quer sejam elas ditas “naturais” ou “humanas”. A linguagem é antes de tudo um problema filosófico, e o contrário também é verdade: todo problema filosófico está na linguagem e não na relação sujeito cognoscente/objeto do conhecimento[10]. Amplio isso para rever os próprios ideais de ciência ocidental e dizer que a visão positivista proposta por Comte ou a dos empiristas é impossível, pois a mais lógica das ciências: a matemática, utiliza de meios lingüísticos para expressar-se. Se Ballweg diz que da “retórica nenhum Direito escapa”[11], amplio sua frase e digo que da retórica nenhuma ciência escapa.

O Direito, então, estaria confinado nessa prisão da linguagem e utilizaria a retórica como meio imprescindível de sua atividade e existência. Com esse pressuposto em mãos podemos dar início a um estudo mais crítico da atividade forense, evitando absurdos cometidos pelos operadores e pela própria sociedade, ao desconsiderar tal pensamento. Crer num Direito estruturado em regras dispostas dentro de um sistema racional privado de elementos retóricos, ou em uma linguagem livre de ambigüidades, ou em idéias como a “verdade real” do direito processual, por exemplo, parece ser mais simples para a dogmática jurídica[12]. Porém, o frenético crescimento da complexidade dos sistemas na sociedade pós-moderna, notadamente o jurídico, vai fazendo com que uma teoria jurídica pautada em bases de caráter ontológico[13] acabe por se chocar com muitas das estruturas e inovações. Encarar a metodologia do Direito como uma forma estratégica e persuasiva de se lidar com os conflitos de interesses é entender como funcionam esses sistemas lingüísticos que nada têm de ontológicos, pois se fundam em veleidades do comportamento humano que, bem longe de ser algo pré-fixado e estático, é dinâmico e conjuntural.


[1] NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Rhetorik. Darstellung der antiken Rhetorik; Vorlesung Sommer 1874, dreistündig. Gesammelte Werke. Band 5. München: Musarion Verlag, 1922. p. 298

[2] ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (Em contraposição à Ontologia de Nicolai Hartmann). 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Pg. 239.

[3] Idem, ibid.

[4] SANTOS, Leonel Ribeiro dos. Linguagem, retórica e filosofia no Renascimento. Lisboa: Colibri, 2004. pp. 22-26.

[5] Idem, Pg. 241.

[6] ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (Em contraposição à Ontologia de Nicolai Hartmann). 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Pg. 241.

[7] ADEODATO, João Maurício. Ética e Retórica: Para uma teoria da dogmática jurídica. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. Pg. 288.

[8] FERRAZ JR, TÉRCIO SAMPAIO. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, dominação e decisão. 4.ed. São Paulo: Atlas, 20203. Pg.34.

[9] SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. 20º ed. São Paulo: Editora Cultrix, pg.80 e 81.

[11] BALLWEG, Ottmar. Retórica analítica e direito. Trad. João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991. pp. 175-184. p. 175.

[13] Ver a posição de Robert Alexy, Habermas e Ronald Dworking quanto à questão de respostas “certas” no Direito; todos eles, cada um ao seu modo, acabam por pregar uma filosofia de forte viés ontológico e racionalista. Num exercício de otimismo com o ser-humano esses e outros filósofos negam a contingência do presente e da impossibilidade de meios para prevê-lo.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Ah! a linda fugacidade das coisas....

0Alvorada, lá no morro que beleza. Ninguém chora não há tristezas, ninguém sente dissabor...



Lá se vai mais uma semana e é o tempo que me espanta nessa noite. Lidar com a efemeridade não é para muitos e desconfio que eu seja um desses inaptos . Tenho medo da finitude, do estar envelhecendo, do vazio da morte e da desintegração de meu ser. Não que isso me leve a apaixonar-me por especulações religiosas e metafísicas acerca de nosso paradeiro final ou sobre nossas origens, mas pensar nunca foi demais ao ser-humano. O tempo é um desses mistérios dos mais intrigantes sobre os quais nossa mente repousa calorosas reflexões.

Nada tão intangível quanto o passado, nada tão metafísico quanto o futuro, nada mais mágico que o presente.

A morte é um caminho para o nada, e é isso. Tudo o que os filósofos especularam e as religiões fantasiaram são apenas pó diante do peso da eternidade sem existir. (Interessante sobre isso é o argumento de Schopenhauer que questiona: por quê tanto perturba e faz gelar a muitos espíritos o destino após a morte se é um mistério análogo nosso paradeiro antes de nascermos?) Não somos capazes de aceitar nossa insignificância diante da causalidade, diante do caos. Olhar para o futuro e perceber que há um fim é atordoante para muitas pessoas que preferem ver a luz do que a verdade, falo também de mim.

Que passe o tempo então, que as horas corram de forma histérica, num incessante movimento que não dá sinais de parar. Devemos viver e é só. O presente é uma dádiva, muitas vezes sublimado pelo peso do que passou e pela angústia do que está por vir. A vida se resume ao hoje e toda metafísica, todos os mistérios, todas as especulações são dispensáveis diante do presente. Todo o tempo é o agora, o resto é morto. Nossas lembranças são cadáveres e nossas expectativas nascituros com consideráveis chances de aborto. Por que então a angústia, por que o desespero, o arrependimento? Se tudo é fugaz para quê esse apego desesperado à vida, aos desejos, às lembranças? O homem sábio sabe dosar e aproveitar o momento, o tolo chora seus erros passados e deslumbra-se em espenranças.



São essas minhas palavras pra uma semana que passou.

domingo, 2 de novembro de 2008

A Mensagem de "Mensagem"

A poesia é um caminho que nos leva aos destinos mais estonteantes...



Fernando Pessoa é um poeta badalado, seja por sua versatilidade, seja pela multiplicidade de temas que sua obra trata. Desaponta-se o leitor que for procurar em Pessoa um poeta de estilo, ele é o poeta dos estilos, sua genialidade obrigou-o a dividir sua vida, seu espírito e sua obra. As biografias de Ricardo Reis, Álvaro de Campos e outros tantos seus heterônimos são pedaços de um Fernando Pessoa místico e tão imenso que não cabia em si. É isso que o torna um mestre comparável apenas a Camões e, aqui entre nós, com uma sensibilidade que Camões nenhum sonhou ter.

E é desse mestre que venho falar, mas não é do mestre de "Tabacaria", nem do "Poema em linha reta", nem da "Canção do Desassossego" , mas do mestre de "Mensagem". Apesar de todo alarde feito em torno da obra desse gênio da literatura, percebo um certo descaso com essa que é um colosso da língua portuguesa. O recado trazido por esse pequeno livro é tão imenso que transpassa o tempo e acaba por se adequar a toda e qualquer situação de nosso dia-a-dia. Se os títulos pomposos induzem o leitor a achar que está diante de uma narração dos feitos heróicos portugueses, adentrar no texto é estar diante de sua própria vida. Não há mais naus nem heróis romanos, mas há desafios cotidianos e pessoas comuns que a cada dia vencem batalhas e cruzam mares infindos. Vejam esses versos:

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

III - As Quinas
Segunda Parte | Mar Português

Não há palavras para traduzir a beleza desses versos, principalmente quando me vem na lembrança a voz do mestre Lourival Holanda a recitá-los (bons dias do curso de letras!). O que é o homem sem a loucura? Sim, somos todos loucos, sonhadores, criamos nossos devaneios para abrandar a armagura da vida. Cada um de nós guarda em si um Dom Sebastião, ávido por glórias e por conquistas. É isso que Mensagem vem nos dizer. Mesmo que mais discrepantes sejam as leituras, um eixo central estará presente nas interpretações: o homem pode (e deve!) romper seus limites e mostrar-se triunfante.

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Segunda Parte | Possessio Maris

Mensagem é cotidianamente místico e irresistível mesmo no primeiro olhar. É um Fernando Pessoa que se distancia do tom naturalístico de Alberto Caeiro e do pessimismo irônico de Álvaro de Campos, que canta as glórias passadas de uma nação decadente, mas que também canta o espírito das pessoas, fazendo com que elas nunca se esqueçam de seus objetivos e que nunca desistam. Mensagem é uma glorificação à vida, mas sem o exagero dos romanticos; é uma obra que magnifica os feitios humanos e visa acender a chama no peito de todos e acordar os D. Henriques dentro de nós, dos grandes heróis que são o tudo que não é nada, mas que são a guia para um grande homem.

O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O porfazer é só com Deus.

E ao imenso e possivel oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.

Segunda Parte | Possessio Maris

Muito mais que recomendado, obrigatório!



quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Momentos de escapar...

Há momentos em nossas vidas em que o melhor caminho a tomar é... parar!

Somos seres inteligentes, porém sensíveis demais para passar por certos momentos de forma isenta e indiferente. O coração às vezes pulsa egoísticamente e brada de sua solitária mansão: - É hora de parar! Nossa vida é composta por uma infinitude de atos que, somados, dizem muito do que nós somos; inconscientemente acabamos por sedimentar em nós uma personalidade feia e abominável, sem nos tocarmos acabamos por nos tornar monstros devoradores de nós mesmos. Nessas horas deve-se ordenar que cesse o cérebro de trabalhar para permitir que nossos valores, outrora esquecidos, expurguem de nosssa consciência tudo o que fora construído errado. Um pequeno momento de reflexão, em que devemos trucidar nossos erros que, a despeito de sua força, podem ser facilmente retirados de nossas vidas.

Não compactuo com a totalidade da filosofia oriental, nem mesmo tenho leitura suficiente para isso, mas certos conceitos são mais que aplicáveis ao homem moderno e ultrapassam, em grande escala, os ditames religiosos e filosóficos ocidentais. Um desses brilhos filosóficos é a idéia budista de Nobre Caminho, que é composto por oito etapas, a saber: Percepção Correta, Pensamento Correto, Fala Correta, Comportamento Correto, Meio de Vida Correto, Esforço Correto, Atenção Correta e Concentração Correta. Os budistas buscam com esse método a extinção dos desejos em sua alma, porém sou menos ambicioso e vejo-o como uma forma eficaz de trazer o homem a si mesmo, diminuindo sua probabilidade de errar. Sem apelar para o medo, nem para noções de castigo ou pecado, essa filosofia consegue dar ao homem uma ferramenta útil de vida e é essa ferramenta que deve ser usada quando é chega a hora de parar.

Reformular-se é um desafio, mas que pode ser concretizado; escolhido o método, o mais difícil vai ser desatar as amarras de nossas paixões e convicções. Mas nada é tão impagável quanto a paz interior, nada mereçe tanto esforço por parte de nós. Estar bem consigo mesmo e com os outros é o incício para uma vida virtuosa e frutífera. Parar e repensar nossas atitudes é árduo, pois vai nos revelando nosso lado mais feio e sombrio, porém é um exercício que tende a eliminar esse lado menos querido de nós mesmos.

-------------------------------------------------------------------------------------------------

Se ler é renovar-se, se ler é reformular seu prórprio mundo, então a leitura não pode estar coberta pelo véu negro do preconceito. Nesse pensamento que indico uma obra lida por mim há muito tempo, mas que ainda é um guia espiritual de grande serventia. Muito mais que um manual para uma vida feliz, esse livro nos traz um caminho para lidar com os mais diversos embates existenciais que as religiões tanto teimam em acentuar. Não importa sua denominação religiosa, a Doutrina de Buda é muito menos uma obra de pregação que uma compilação de conselhos para uma existência harmoniosa.



terça-feira, 28 de outubro de 2008

Lendo Dostoiévski

Apesar do atropelo de tarefas que o curso de Direito me impõe ainda acho tempo para meus exercícios literários.

Primeiro, é interessante esclarecer que uma grande obra da literatura universal não deve ser apenas lida e interpretada, mas sim digerida, deve entrar em simbiose com a alma do leitor. Platão nos diz que o pleno conhecimento de alguma coisa pressupõe uma ascese erótica, um apego, mesmo que momentâneo, com o objeto do conhecer e é assim que se sucede com a literatura. Quando lemos uma obra desse porte, devemos desconstruir todos os nossos preconceitos e nos desfazer do peso de nossa cultura (e não me venham falar de Gadamer!), para assim achar o caminho ao nirvana intelectual que nos deixa livres para contemplar a magnitude dos grandes mestres. Que os juízos de valor venham depois da contemplação, pois eles só servem para alimentar-mos nosso necessário maniqueísmo intelectual. O contemplar é a essência de toda e qualquer arte, o resto é acessório.



Estou lendo Dostoiévski, mais precisamente a "Recordação da Casa dos Mortos". Leitura difícil, não por sua linguagem, pois o escritor russo é um dos homens mais claros e precisos desse ramo, mas pelo peso humano que traz entranhada em suas páginas. Tudo nessa obra cheira ao ser-humano e, como não deveria ser diferente, cheira mal. O presídio desenhado por Dostoiévski é um corte na realidade de nós mesmos, é um espelho sem os adornos que expõe a miséria de ser humano. Nossos sentimentos mais sórdidos e nossas ambições mais recônditas são corporificados naqueles presos, que são a exposição de nossas verdadeiras feições, sem a maquilagem do urbanismo e da civilidade.

Ainda estou nas primeiras páginas da "Casa dos Mortos" e não me faltam motivos para me surpreender. A carga de realidade é tão grande que dá para ouvir o soluçar dos presos após uma seção de açoitamento, que dá para sentir a podridão das casernas, que dá para ver nos olhos de cada um a maldade, a falsidade e a frieza. Talvez seu tom autobiográfico tenha lhe dado mais brilho, pois nem em "Crime e Castigo", sua obra mais badalada, conseguimos sentir o estio de verossimilhança carregado nessas "Recordações".

A experiência da leitura de Dostoiévski é única e irrepetível, o que posso fazer é traçar impressões tímidas e inexatas. Não nego a beleza de romancistas como Flaubert, Eça de Queirós e, trazendo pra nossa terrinha, Machado de Assis, mas é que apenas em Dostoiévski (e talvez em Kafka) consegui ver com transparência os caminhos mais desconexos de nosso espírito, os liames tênues entre a civilidade e a barbárie e a afirmação da tese de Schopenhauer de que a vontade humana, guiada por seus desejos mais primitivos, é guia de nossa existência.


Obra mais que recomendada.